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Um dos subprodutos da globalização foi o abalo dos pilares que sustentavam as carreiras profissionais. Antes, estruturas relativamente estáveis viabilizavam carreiras que podiam se desenvolver em uma única organização, fosse pública ou privada. Para alguns, o esquema atendia plenamente aspirações de segurança e de estabilidade. Para outros, representava condenação ao tédio e à mediocridade profissional.
As mudanças e a instabilidade levaram à emergência do que os estudiosos Robert J. Defillippi e Michael B. Arthur denominaram, nos anos 1990, de carreiras sem fronteiras: trajetórias profissionais que, por opção ou necessidade, cruzam várias vezes as fronteiras de funções, cargos, empresas e países.
Muitos profissionais aproveitaram o novo mundo de oportunidades para construir carreiras bem-sucedidas e recompensadoras. Outros, entretanto, viram-se lançados ao inóspito mundo da precarização do trabalho.
Defillippi e Arthur definiram três competências necessárias para ter sucesso ou sobreviver no mundo das carreiras sem fronteiras: primeiro, o know-why, saber por que, para onde e como se movimentar profissionalmente; segundo, o know-how, o domínio de conhecimentos, formais e informais, que apoiam o desempenho profissional; e terceiro, o know-whom, a capacidade de estabelecer relacionamentos e parcerias, visando identificar e aproveitar oportunidades de trabalho e de emprego.
De lá para cá, as revistas científicas especializadas, tais como Career Development International, Work and Occupations, Journal of Vocational Behavior e Journal of Career Development não pararam de publicar pesquisas sobre adaptabilidade às mudanças, trabalho flexível e o imperativo da aprendizagem contínua.
Além da academia, o mundo da autoajuda também descobriu o tema, tratando a insegurança de seus leitores com títulos que frequentemente sugerem cinco, oito ou dez passos para a mudança bem-sucedida de carreira.
Hoje, basta olhar ao redor para identificar, entre colegas e amigos, trajetórias profissionais que antes pareceriam esdrúxulas ou extravagantes e agora constituem o novo normal: o biólogo que se tornou pintor, a ex-cantora paisagista, o MBA hoje velejador, a antiga diretora de RH e atual dona de uma pousada.
Incluem-se o engenheiro que abriu uma agência de turismo, a arquiteta transformada em agente da Receita Federal ou o maestro transmutado em palestrante motivacional. Mudar radicalmente o rumo profissional, abraçar o empreendedorismo ou manter ocupações paralelas tornou-se fato corriqueiro.
O fenômeno atinge também, nas pontas do ciclo, universitários e aposentados. Os primeiros, obrigados a realizar difíceis escolhas profissionais sem ter a maturidade ou o grau necessário de informação, trocam frequentemente de cursos. Os últimos veem-se diante da oportunidade ou necessidade de se reinventarem profissionalmente, após a aposentadoria formal.
Peças fundamentais da equação, as instituições de ensino seguem alienadas. Muitas universidades públicas, obcecadas por suas próprias crises, parecem não se importar com o mercado de trabalho ou as demandas sociais. Muitas escolas privadas, de olho no preenchimento de vagas, seguem modas e humores sem olhar para a frente. A economia, estruturalmente frágil e conjunturalmente raquítica, também não coopera.
A busca de soluções fica nas mãos do indivíduo, levado a navegar um mar de muitas ameaças e algumas possibilidades. Os mais audaciosos, ou de bolsos mais fundos, buscam educação e ocupação em outros continentes.
Como desenhar o futuro? Nossa capacidade de ler as estrelas é sabidamente limitada. No entanto, como o papel é generoso com a tinta e os leitores poderão muito bem discernir joio e trigo, segue aqui uma lista especulativa de direções para uma educação superior mais alinhada com tempos instáveis, mentes abertas e corações inquietos: maior amplitude e menor especialização, mais aplicação e menos teorização, mais realidade e menos idealização, mais sustentabilidade e menos inovação, mais crítica e menos conformismo, mais razão e menos jargão, mais aplicação e menos preleção, mais civismo e menos mercantilismo, mais humanismo e menos instrumentalismo, maior flexibilidade e menor rigidez, maior longevidade e menor concentração, maior ambição e menor presunção, mais substância e menos imagem, mais saber e menos faz de conta.
Thomas Wood Jr.
Fonte: Carta Capital
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